3- “Sublime Quadrilátero Sonoro”

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Em texto que integra o encarte de um CD lançado recentemente, um famoso violonista internacional elaborou o seu currículo quase apenas com extratos de críticas acumuladas ao longo da carreira: de fato, não deixa de ser uma alternativa interessante apresentar-se a partir daquilo que os outros dizem da gente.

Aqui mesmo no site Quaternaglia há – veja-se a seção “bio” – uma coleção de citações de críticas nacionais e internacionais publicadas sobre o quarteto através dos tempos; além delas há também, na mesma seção, depoimentos generosos de músicos (como Júlio Medaglia, Amaral Vieira, Carlos Barbosa-Lima, Paulo Bellinati, Gilbert Biberian e Abel Carlevaro) que, principalmente no início da carreira do grupo, ajudaram a dar credibilidade ao trabalho. Textos especialmente escritos por Sérgio Abreu, Gilberto Mendes e Egberto Gismonti foram incorporados aos encartes dos CDs Quaternaglia e Forrobodó (veja-se a seção “gravações” para a transcrição integral dos encartes de todos os CDs do Quaternaglia).

Como ensina Dahlhaus, “a reflexão estética deságua necessariamente na crítica”. E nada pode ser mais estimulante para um trabalho do que a reflexão externa, competente e desinteressada – um tripé que, nos melhores momentos, permite ao próprio artista compreender em que direção está indo.

As primeiras críticas importantes recebidas pelo Quaternaglia vieram com o lançamento do CD inaugural Quaternaglia (1995). A imagem de Zito Baptista Filho, de O Globo, capta o aspecto (então) inovador da formação, a sublimidade buscada por um quadrilátero – figura de lados e ângulos não necessariamente iguais, mas que perfaz um todo sonoro.

Decisiva também foi a página do “Caderno 2”, de O Estado de São Paulo, escrita por Antonio Gonçalves Filho em 2/8/1995, que entrevistou Eduardo Fleury, um dos fundadores-idealizadores do quarteto, que enfatiza ousadia e criatividade. Passados mais de vinte anos, chama mais atenção do que à época o seu esforço para conectar música e sociedade: “O Quaternaglia poderia ser visto como uma grande representação metafórica do país, se houvesse tanta criatividade em política. Primeiro, a disposição de criar um quarteto de violões, sendo mínima a literatura musical para essa formação, exige dos intérpretes uma dose pantagruélica de imaginação. Segundo, o esforço de transcrição de peças é igualmente gigantesco para um resultado financeiro tão pequeno. Mas os integrantes do Quaternaglia têm o que os políticos, regra geral, não têm: compromisso com a evolução da espécie”.

Na segunda turnê aos Estados Unidos, em 1999, o novo repertório brasileiro que o Quaternaglia apenas começava a apresentar resultou em quase uma página inteira do jornal Los Angeles Times. Para John Henken, “nobody goes into a guitar quartet to play the masterpieces of an established canon”. Segundo ele, ao experimentalismo da formação soma-se o “condimento sonoro”, como traduz o título “Creating Canon Fire: Quartet Quaternaglia attracted by opportunity to add experience and spice to a young genre”.

Exemplo de crítica de performance do Quaternaglia , na mesma turnê (1999), é o texto de Wayne Lee Gay, do jornal texano Star Telegram, que destaca também a casa cheia e o programa tocado de memória, um desafio que o grupo se propôs àquela altura, e que ainda mantém. Um olhar atento para a página do periódico mostra uma crítica do debut da soprano Renee Fleming no Carnegie Hall.

Em 2006 a exploração pelo quarteto do formato DVD (com o lançamento do DVD Quaternaglia, gravado ao vivo no Itaú Cultural, em São Paulo) foi caracterizada por Leonardo Martinelli (em Gazeta Mercantil) como um dos primeiros passos de músicos brasileiros nesse mercado. Seu texto também analisa o vídeo lançado no mesmo período pelo compositor Flo Menezes.

Neste rápido e resumido itinerário sobre a fortuna crítica do Quaternaglia, não há como não tratar da minuciosa matéria do crítico Gil French publicada no American Record Guide em 2007. Trata-se de uma das mais profundas discussões já empreendidas sobre o Quaternaglia, tanto sobre o repertório apresentado como sobre a qualidade camerística dos concertos. Durante três dias, French acompanhou (com partitura em punho) os ensaios e a performance de estreia do Quinteto para um outro tempo, de Sérgio Molina, com o Quaternaglia e o pianista James Dick, no “III International Guitar Festival at Round Top” (EUA), que também contou com a participação dos violonistas Eduardo Isaac e Thibault Cauvin . Aqui não há mais estranhamentos: na primeira década do século 21, a formação de quatro violões é encarada com naturalidade, e não há mais perplexidade diante das características do repertório. É uma mudança no nível da discussão e, em vários sentidos, um indício promissor de consolidação. O tratamento crítico é o mesmo que se dá a um quarteto de cordas, a um quinteto de sopros ou a um grupo vocal.

Mas aqui cabe perguntar: e as críticas negativas, não ocorreram? Não foram muitas experiências, porém cabe mencionar algumas contradições: certa vez um jornalista norte-americano reclamou que o repertório apresentado pelo Quaternaglia tinha excesso de música brasileira, enquanto que um outro, em outra temporada (na mesma cidade) perguntava a razão pela qual um grupo brasileiro teria incluído uma obra de Bach no programa, sendo que o que se esperava era justamente…música do Brasil! Em todo caso, a pior crítica quase sempre é o silêncio da crítica.

Com a proximidade da segunda década do século 21, começam a aparecer reportagens que tentam resgatar e contar a história do grupo, bem como algumas capas de suplementos culturais (como acima, no Arizona, com Fernando Lima e João Luiz ao lado de Fabio Ramazzina e Sidney Molina) e revistas especializadas. Destaca-se o nome do violonista e pesquisador Gilson Antunes, autor de uma ampla matéria de capa para a revista Violão Pro (o quarteto atuava com João Luiz, Fabio Ramazzina, Paola Picherzky e Sidney Molina). Antunes também preparou o verbete “Quaternaglia” disponível no portal “Acervo do Violão Brasileiro”.

É igualmente importante ressaltar os nomes de Al Kunze, autor de crítica do CD Xangô (2015) para a Soundboard Magazine (EUA), Luis Stelzer, que preparou a matéria de capa para o número inaugural (n.1) da revista Violão+, e da jornalista e musicóloga Camila Frèsca, que elaborou com muito rigor a matéria especial sobre os 25 anos do Quaternaglia publicada na revista Concerto de abril de 2017 (veja o texto integral aqui).

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Em texto que integra o encarte de um CD lançado recentemente, um famoso violonista internacional elaborou o seu currículo quase apenas com extratos de críticas acumuladas ao longo da carreira: de fato, não deixa de ser uma alternativa interessante apresentar-se a partir daquilo que os outros dizem da gente.

Aqui mesmo no site Quaternaglia há – veja-se a seção “bio” – uma coleção de citações de críticas nacionais e internacionais publicadas sobre o quarteto através dos tempos; além delas há também, na mesma seção, depoimentos generosos de músicos (como Júlio Medaglia, Amaral Vieira, Carlos Barbosa-Lima, Paulo Bellinati, Gilbert Biberian e Abel Carlevaro) que, principalmente no início da carreira do grupo, ajudaram a dar credibilidade ao trabalho. Textos especialmente escritos por Sérgio Abreu, Gilberto Mendes e Egberto Gismonti foram incorporados aos encartes dos CDs Quaternaglia e Forrobodó (veja-se a seção “gravações” para a transcrição integral dos encartes de todos os CDs do Quaternaglia).

Como ensina Dahlhaus, “a reflexão estética deságua necessariamente na crítica”. E nada pode ser mais estimulante para um trabalho do que a reflexão externa, competente e desinteressada – um tripé que, nos melhores momentos, permite ao próprio artista compreender em que direção está indo. Isso se dá para além da divulgação através de reportagens, anúncios e entrevistas rápidas que – é importante ressaltar – apesar de sua óbvia importância, não tem nada (ou quase nada) a ver com a crítica em sentido estrito.

As primeiras críticas importantes recebidas pelo Quaternaglia vieram com o lançamento do CD inaugural Quaternaglia (1995). A imagem de Zito Baptista Filho, de O Globo, capta o aspecto (então) inovador da formação, a sublimidade buscada por um quadrilátero – figura de lados e ângulos não necessariamente iguais, mas que perfaz um todo sonoro.

Decisiva também foi a página do “Caderno 2”, de O Estado de São Paulo, escrita por Antonio Gonçalves Filho em 2/8/1995, que entrevistou Eduardo Fleury, um dos fundadores-idealizadores do quarteto, que enfatiza ousadia e criatividade. Passados mais de vinte anos, chama mais atenção do que à época o seu esforço para conectar música e sociedade: “O Quaternaglia poderia ser visto como uma grande representação metafórica do país, se houvesse tanta criatividade em política. Primeiro, a disposição de criar um quarteto de violões, sendo mínima a literatura musical para essa formação, exige dos intérpretes uma dose pantagruélica de imaginação. Segundo, o esforço de transcrição de peças é igualmente gigantesco para um resultado financeiro tão pequeno. Mas os integrantes do Quaternaglia têm o que os políticos, regra geral, não têm: compromisso com a evolução da espécie”.

Na segunda turnê aos Estados Unidos, em 1999, o novo repertório brasileiro que o Quaternaglia apenas começava a apresentar resultou em quase uma página inteira do jornal Los Angeles Times. Para John Henken, “nobody goes into a guitar quartet to play the masterpieces of an established canon”. Segundo ele, ao experimentalismo da formação soma-se o “condimento sonoro”, como traduz o título “Creating Canon Fire: Quartet Quaternaglia attracted by opportunity to add experience and spice to a young genre”.

Exemplo de crítica de performance do Quaternaglia , na mesma turnê (1999), é o texto de Wayne Lee Gay, do jornal texano Star Telegram, que destaca também a casa cheia e o programa tocado de memória, um desafio que o grupo se propôs àquela altura, e que ainda mantém. Um olhar atento para a página do periódico mostra uma crítica do debut da soprano Renee Fleming no Carnegie Hall.

Em 2006 a exploração pelo quarteto do formato DVD (com o lançamento do DVD Quaternaglia, gravado ao vivo no Itaú Cultural, em São Paulo) foi caracterizada por Leonardo Martinelli (em Gazeta Mercantil) como um dos primeiros passos de músicos brasileiros nesse mercado. Seu texto também analisa o vídeo lançado no mesmo período pelo compositor Flo Menezes.

Neste rápido e resumido itinerário sobre a fortuna crítica do Quaternaglia, não há como não tratar da minuciosa matéria do crítico Gil French publicada no American Record Guide em 2007. Trata-se de uma das mais profundas discussões já empreendidas sobre o Quaternaglia, tanto sobre o repertório apresentado como sobre a qualidade camerística dos concertos. Durante três dias, French acompanhou (com partitura em punho) os ensaios e a performance de estreia do Quinteto para um outro tempo, de Sérgio Molina, com o Quaternaglia e o pianista James Dick, no “III International Guitar Festival at Round Top” (EUA), que também contou com a participação dos violonistas Eduardo Isaac e Thibault Cauvin . Aqui não há mais estranhamentos: na primeira década do século 21, a formação de quatro violões é encarada com naturalidade, e não há mais perplexidade diante das características do repertório. É uma mudança no nível da discussão e, em vários sentidos, um indício promissor de consolidação. O tratamento crítico é o mesmo que se dá a um quarteto de cordas, a um quinteto de sopros ou a um grupo vocal.

Mas aqui cabe perguntar: e as críticas negativas, não ocorreram? Na verdade não há muitas (nenhuma especialmente relevante), porém cabe mencionar algumas contradições: certa vez um jornalista norte-americano reclamou que o repertório apresentado pelo Quaternaglia tinha excesso de música brasileira, enquanto que um outro, em outra temporada (na mesma cidade) perguntava a razão pela qual um grupo brasileiro teria incluído uma obra de Bach no programa, sendo que o que se esperava era justamente…música do Brasil! Em todo caso, a pior crítica quase sempre é o silêncio da crítica.

Com a proximidade da segunda década do século 21, começam a aparecer reportagens que tentam resgatar e contar a história do grupo, bem como algumas capas de suplementos culturais (como acima, no Arizona, com Fernando Lima e João Luiz ao lado de Fabio Ramazzina e Sidney Molina) e revistas especializadas. Destaca-se o nome do violonista e pesquisador Gilson Antunes, autor de uma ampla matéria de capa para a revista Violão Pro (o quarteto atuava com João Luiz, Fabio Ramazzina, Paola Picherzky e Sidney Molina). Antunes também preparou o verbete “Quaternaglia” disponível no portal “Acervo do Violão Brasileiro”.

É igualmente importante ressaltar os nomes de Al Kunze, autor de crítica do CD Xangô (2015) para a Soundboard Magazine (EUA), Luis Stelzer, que preparou a matéria de capa para o número inaugural (n.1) da revista Violão+, e da jornalista e musicóloga Camila Frésca, que elaborou com muito rigor a matéria especial sobre os 25 anos do Quaternaglia publicada na revista Concerto de abril de 2017 (veja o texto integral aqui).

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