Forrobodó

Lançamento: 12/06/2000

PAULO BELLINATI (1950)

  1. A Furiosa (Maxixe) (1997)* | 3:45
  2. Baião de Gude (1997) | 4:24
  3. Lun-Duos (1996)* | 3:41

SÉRGIO ASSAD (1952)

  1. Uarekena (1994) | 8:14    

EGBERTO GISMONTI (1947)

  1. Quartetinho (1997)* | 1: 02
  2. Forrobodó (1999)* | 9:45
  3. Um Anjo (1999) (arrangement: Paulo Porto Alegre) | 5:25
  4. Forró (1997)* | 9:45
  5. Karatê (1997)* | 2:33      

ERNESTO NAZARÉ (1863-1934)

(arrangement: Egberto Gismonti / Paulo Porto Alegre)

  1. Escovado (1904) | 3:53
  2. Batuque (1906) | 4:04

total: 56’51’’

* dedicated to Quaternaglia


Quaternaglia Guitar Quartet

Eduardo Fleury: guitar (all tracks)

Fabio Ramazzina: guitar (all tracks)

Sidney Molina: 6 and 7-string guitar (all tracks)

Paulo Porto Alegre: guitar (Forrobodó, Karatê, Batuque, Escovado, A Furiosa, Um Anjo)

Breno Chaves: guitar (Uarekena, Lun-Duos, Baião de Gude, Quartetinho e Forró)

 

Special Guest: Egberto Gismonti: keyboard (Um Anjo)

 

Recorded at: Estúdio Tom Brasil – São Paulo, Brasil (Sept. 16, 1998: Uarekena, Lun-Duos, Baião de Gude, Quartetinho, Forró; and Dec. 15, 1999: Forrobodó, Karatê, Escovado, Batuque, A Furiosa e Um Anjo).

Audio Engineer: Alberto Ranellucci

Musical Producer: Egberto Gismonti

Cover: Watercolor by Cláudia Simões “A chuva fez o guarda-chuva brilhar”

Production: Carmo

Manufactered and marketed by ECM Records – München, Germany

 

Guitars by Sérgio Abreu (Fleury, 1988; Ramazzina, 1991; Molina, 1992 [6-string] and 1997 [7string]; Chaves, 1997)

Guitar by Paul Fischer: Porto Alegre, 1979 (Magestas)


Textos de Sidney Molina / Egberto Gismonti

 

Desde 1996 o quarteto de violões Quaternaglia e o músico e produtor Egberto Gismonti trabalham juntos buscando um conceito de música brasileira para quarteto de violões. Esse conceito está impregnado em cada uma das faixas deste CD.

Nascida nos antigos moldes da música de câmara em família – Pepe Romero nos contou que, se seu pai tivesse tido quatro filhos, teriam constituído um quinteto e não um quarteto – a formação quarteto de violões começou a ganhar maturidade com a obra do cubano Leo Brouwer, escrita nos anos 80 e integralmente registrada pelo Quaternaglia em seu primeiro CD. Nesse sentido, a associação do trabalho artesanal do Quaternaglia com a experiência brasileira sem fronteiras de Egberto Gismonti teria de gerar frutos interessantes.

Não foi fácil estabelecer um repertório condizente com essa proposta conceitual. O trabalho movimentou muitos de compositores de várias gerações e gerou dezenas de novas composições brasileiras de grande qualidade. Agradecemos sinceramente a todos os que contribuíram para o enriquecimento exponencial do repertório de nossa formação.

O repertório do CD somente foi fechado integralmente, no entanto, já no estúdio, durante as últimas horas da última sessão de gravações. Desde o início sabíamos da importância da peça Uarekena, de Sérgio Assad, para o projeto. Originalmente composta para quarteto de violões, ela é baseada em temas extraídos dos povos indígenas brasileiros. As três obras de Paulo Bellinati também foram extremamente importantes para impulsionar o trabalho e mostrar sua viabilidade. Baião de Gude reproduz a estrutura do ritmo nordestino popularizado por Luiz Gonzaga (o “Rei do baião”) aliado a uma forte influência jazzística. Em alguns momentos torna-se clara a evocação dos instrumentos do baião tradicional através dos violões, que insinuam simultaneamente a voz, o acordeão, o zabumba e o triângulo. A Furiosa utiliza-se do maxixe para propor uma irônica e virtuosística peça com o sabor da música popular brasileira do início do século XX. É também uma homenagem às bandas que se apresentam nas praças das cidades do interior do Brasil, as “furiosas”. Lun-Duos também foi escrita para quatro violões pelo autor e dedicada ao Quaternaglia. Trata-se de uma peça experimental baseada em múltiplos efeitos percussivos e também no ritmo afro-brasileiro do lundu. Na peça, o quarteto é transformado num desafio entre vários duos de violão, o que justifica seu bem-humorado título.

Ao lado das peças de Assad e Bellinati, músicos com uma carreira centrada no violão e em suas múltiplas possibilidades, surge o novo repertório preparado por Egberto Gismonti para quarteto de violões. Forró e Forrobodó podem situar-se, sem dúvida, entre os maiores desafios musicais escritos até agora para quatro violões. Peças especulativas e instigantes, foram  amplamente trabalhadas pelos intérpretes com o compositor. Sobre Forró afirma Egberto Gismonti que “foi a primeira peça dedicada ao Quaternaglia. Trata-se de um teste de resistência e musicalidade. Eu diria que o “forró” é coisa pra bandeirante que não sabe exatamente o que encontrar no final(?) da picada, mas que não resiste ao cheiro do mato verde, da terra molhada, da marca da anta no chão, ou até mesmo ao latido de um vira la­tas ao longe.” Forrobodó é música de sobrevivência, é música de quem não pode barganhar com o tempo. É música da simultaneidade que não deixa espaço para o trivial. É música enquanto necessidade de vida. Karatê é um alegre frevo de rua baseado no carnaval pernambucano. No arranjo dedicado ao Quaternaglia, o (já conhecido) tema brinca de esconde-esconde com seus múltiplos “acompanhamentos” (será possível ainda utilizar esse termo?), revelando-se e ocultando-se num intrincado jogo. Quartetinho é uma fina miniatura de caráter contrapontístico sobre um tema com características nordestinas “a ser utilizado como último bis”, nas palavras generosas da dedicatória do compositor. Um Anjo, escrita inicialmente para a adaptação cinematográfica feita por Ruy Guerra do romance Quarup, de Antônio Callado, teve seu arranjo para quatro violões realizado por Paulo Porto Alegre. A versão conta com a participação do próprio Gismonti ao sintetizador.

O último compositor a ser invocado pelo projeto foi o pianista e compositor carioca Ernesto Nazaré (1863-1934). Fixador do chamado tango brasileiro, teve suas obras amplamente executadas pelos pianeiros, conjuntos de choro e bandas de música até serem também descobertas por compositores e intérpretes eruditos. Batuque é um “tango característico” editado em 1906 que Egberto Gismonti adaptou (imprimindo sua marca) para violão e piano, em arranjo dedicado a seus filhos Alexandre e Bianca e Escovado, tango de 1904, teve uma adaptação de Egberto para piano e orquestra. A partir das versões citadas, Paulo Porto Alegre trabalhou no arranjo para quarteto de violões.

Disponibilidade, dedicação, trabalho e confiança são algumas das expressões que nos ocorrem citar como definidoras do caráter dessa produção musical: a ela e ao conceito que a motivou somos gratos. Quanto às relações entre quarteto de violões e música brasileira, já não podemos mais falar somente em “relações”, mas num verdadeiro “entranhamento”, pois, ao mesmo tempo em que cremos que cada uma das cordas de nossos violões pode ligar horizontalmente nossos corações com o Brasil, constatamos também que cada uma das casas de nossos violões nos instaura verticalmente no seio da brasilidade; casas brasileiras, são também casas de brasileiros.

Sidney Molina


Muitas são as vantagens de se conhecer um quarteto de violões.

Antes de mais nada, considerando que exista “de cara” uma empatia, a primeira delas é a de ganharmos, de uma só vez, quatro novos amigos. Isso me aconteceu em relação ao Quaternaglia!

Quando o encontro acontece baseado no motivo mais óbvio da vida de violonistas, o de procurar novos composito­res para obter novas composições, outra vantagem aparece: quatro cabeças diferentes criando questões diferentes, insti­gantes e ao mesmo tempo quadruplamente generosas e construtivas. Isso também me aconteceu em relação ao Qua­ternaglia!

E a descoberta de quatro personalidades distintas que decidem “morar” juntas com o objetivo de um “casamento” quase impossível? Isso é, na pior das hipóteses, magnífico!

Os dias atuais primam pela solidão, pela individuali­dade e pela teimosia da lei dos que falam mais tempo e mais alto, achando que o próprio discurso unirá e trará aos ou­tros a compreensão! Como já disse o Fernando Pessoa “…compreender é errar…”.

O Quaternaglia, os meus novos amigos Breno, Eduardo, Fabio e Sidney, tem demonstrado, na nossa curta relação, um silêncio à compreensão quase comparável aos sabiás ou beija-flores.

Tem sido muito bom esse início de amizade.

Tão bom que, mesmo sem um pedido explícito (ou mesmo uma sugestão) à uma nova composição, eu não resisti e lhes mandei duas novas versões de duas peças bem humoradas, “curtas e grossas”: “karatê” e “quartetinho”.

A primeira peça mandada foi o “forró”. É uma espécie de teste de resistência e de musicalidade. Como executante, fica-se feliz quando a “brasilidade” transparece em meio aos problemas técnicos e se conclui: “mestiço é que é bom”. Eu diria que o “forró” é coisa pra bandeirante que não sabe exatamente o que encontrar no final(?) da picada, mas que não resiste ao cheiro do mato verde, da terra molhada, da marca da anta no chão, ou até mesmo ao latido de um vira la­tas ao longe. Viva o Brasil.

A vida, benevolentemente, tem me apresentado às alegrias e aos prazeres permitidos aos roceiros e aos avisados. Mais uma vez, e dessa com quatro de uma tacada só, ganho esse pre­sente maravilhoso, que é composto de amizade, de admiração, de respeito e sobretudo de musicalidade do Quaternaglia.

Obrigado!

Egberto Gismonti