Presença

Lançamento: 2004

SERGIO MOLINA (1967)

SWEET MINEIRA SOBRE TEMAS DE MILTON NASCIMENTO* (1998)

  1. Ponta de Areia, San Vicente & Variações | 5:09
  2. Interlúdio no Cais | 2:16
  3. Sonata Cravo e Canela | 4:06

RADAMÉS GNATTALI (1906-1988)

QUARTETO Nº1 (1939)

  1. Allegro Moderato | 5:44
  2. Andante | 3:30
  3. Presto | 1:31
  4. Allegro Moderato | 3:40

RODRIGO VITTA (1971)

  1. SONATA (1997)* | 5:37
  2. PAISAGEM BRASILEIRA Nº4 – “URBANA” (2004)* | 2:59

PAULO TINÉ (1970)

  1. NOITE ESCURA (1997)* | 5:14
  2. PRESENÇA (2003)* | 3:30

DOUGLAS LORA (1978)

MARACASALSA (2003-4)*

  1. Toccata | 4:20
  2. Fuga | 4:24

TOM JOBIM (1927-1994)

CRÔNICA DA CASA ASSASSINADA (1971)

(arrangement: João Luiz)

  1. Trem para Cordisburgo | 1:22
  2. Chora Coração | 2:27
  3. Jardim Abandonado | 2:49
  4. Milagre e Palhaços | 1:47

total: 61:04

* dedicated to Quaternaglia

tracks: 4-7 – first recording (version by the composer for four guitars) 

tracks: 1-3 e 8-13 – first recording


Quaternaglia Guitar Quartet

Fernando Lima / João Luiz / Fábio Ramazzina / Sidney Molina – guitars

 

Production: Paulus

Executive Producer: Tom Queiroz

Recorded at: Estúdio Paulus and Cia do Gato (May, 11, 12, 13, 18 and 20, 2004)

Audio Engineer: José Luiz Costa (Gatto)

Edition: Rodrigo Azambuja

Mastering: Percival Grossi

Musical Producer: Henrique Pinto

Producers: Ricardo and Igor Pecego

Photos: Gal Oppido

 

Guitars by: Sergio Abreu (Lima, 1987; João Luiz, 1997; Ramazzina, 2003, Molina [7-string], 1997)

 


Texto de Sidney Molina

  

A ideia de utilizar temas do compositor e cantor popular brasileiro Milton Nascimento (1942) na elaboração de uma nova obra para quarteto de violões foi uma sugestão direta do compositor Leo Brouwer. A conversa que inspirou Sweet Mineira ocorreu em Montevideu (Uruguai), logo após o Quaternaglia ter gravado a obra integral para quatro violões do compositor cubano (CD-JHO, 1995). Sérgio Molina, violonista e Bacharel em Composição pela Universidade São Paulo na classe de Willy Corrêa de Oliveira – e autor de uma versátil produção que inclui sobretudo canções populares e música de câmara – trabalhou a partir de quatro temas de Milton, três dos quais mencionados por Brouwer. No primeiro movimento dialogam e fundem-se “Ponta de Areia”, uma bela melodia pentatônica que conta a história de uma ferrovia abandonada no caminho entre Minas Gerais e Bahia, e “San Vicente”, o relato de um “sonho estranho” que faz preencher de “vidro” e “corte” a subjetividade latino-americana. Ambas as canções contam com versos escritos por Fernando Brant. Segue-se – com versos de Ronaldo Bastos – “Cais”, cuja letra carregada de tensão pontua a necessidade de “inventar os limites para poder se soltar”, de “inventar o sonhador para poder sonhar”, e “Cravo e Canela”, que enumera com humor e malícia os mais variados “temperos” da culinária mineira. Na forma sonata quase clássica adotada para esse movimento final, Molina cita, ironicamente, o início da reexposição do primeiro movimento da sonata Appassionata op.57 de Beethoven: uma nota dó grave – obstinadamente repetida – interfere no tema, atrapalha o seu ressurgimento; mas, apesar do incômodo, ele insiste em voltar e acaba finalmente se impondo, como se nada tivesse ocorrido. “San Vicente”, “Cais” e “Cravo e Canela” foram lançadas por Milton no histórico LP Clube da Esquina (1972), enquanto que “Ponta de Areia” surgiu no disco Minas (1975).

Paulo Tiné, compositor e guitarrista, também se formou na Universidade São Paulo, tendo estudado violão com Edelton Gloeden e freqüentado os cursos de Composição e Estética de Ricardo Rizek. Suas peças para violão solo têm grande interesse, e têm sido editadas na Europa pela Martin Müller Edition. Noite Escura, inspirada em poema homônimo do místico carmelita San Juan de la Cruz (1542-1591), revela a visão bastante pessoal que o compositor tem da música espanhola, enquanto que Presença é um choro que começou como uma homenagem ao compositor e instrumentista brasileiro Egberto Gismonti – citando a harmonia de sua peça Sete Anéis –, mas logo ganhou vida própria, incorporando características específicas da produção de Tiné, como leveza e swing no material temático, minuciosas transições entre as seções, modulações originais, e uma forma dinâmica, em constante desenvolvimento.

Rodrigo Vitta e Douglas Lora são talentosos músicos formados pelas classes de composição do Uni FIAM / FAAM em São Paulo, ambos sob a orientação de Ricardo Rizek. Vitta, um admirador da Segunda Escola de Viena, assume os riscos de estar sempre “nas fronteiras da tonalidade”: sua obra nada tem de nacionalista, sua visão de Brasil passa pelo rigor harmônico de Alban Berg e pela fase pré-dodecafônica de Schoenberg. Sonata, escrita para o Quaternaglia em 1997, foi orquestrada em 2000, tornando-se o primeiro movimento da Sinfonia Brasileira, obra premiada em concurso comemorativo aos “500 anos” do Brasil. Já a Paisagem Brasileira n.4, intitulada “Urbana”, foi inspirada em obra na qual a artista plástica brasileira Nele Azevedo confecciona homenzinhos de gelo que são colocados em pontos escolhidos de grandes cidades: no meio do caos urbano, as miniaturas apenas derretem, e provocam um incômodo quase inexplicável diante de sua fragilidade. As três primeiras obras da série “Paisagens Brasileiras” – intituladas respectivamente “Mangue”, “Cerrado”, e “Caatinga” – foram escritas para orquestra de cordas. Ao contrário de Vitta – que se dedica também à regência –, Lora tem sólida formação violonística, obtida graças a vários anos de trabalho sob a orientação de Henrique Pinto. Sua produção – predominantemente voltada ao violão – inclui peças para violão solo, duo e trio de violões. O caráter idiomático de sua escrita revela-se de imediato em Maracasalsa, sua primeira obra para quarteto de violões: escrita para o Quaternaglia, a peça marca uma virtuosística fusão do maracatu brasileiro com a salsa latina a partir de um inesperado uso das formas barrocas da toccata e da fuga.

A força das canções de Tom Jobim é tamanha que ofusca frequentemente suas trilhas de cinema. Mas o cinema percorre toda a trajetória poética do compositor carioca, desde Orfeu Negro (1959), no início de sua carreira, até a trilogia Eu te amo (1981), Gabriela (1983) e Fonte da Saudade (1987). Crônica da Casa Assassinada, baseada em romance homônimo de Lúcio Cardoso (1912-1968) publicado em 1959, foi composta por Jobim especialmente para o filme A Casa Assassinada (1971), de Paulo César Saraceni, tendo sido premiada no I Festival de Cinema de Gramado. A adaptação realizada por João Luiz destaca os principais trechos da trilha gravados por Tom em seu LP Matita Perê (1973), incluindo “Trem para Cordisburgo” – referência à cidade natal do escritor mineiro Guimarães Rosa – e “Chora Coração”, que recebeu versos de Vinicius de Moraes.

É mais fácil falar hoje da obra de Radamés Gnattali. Não porque sua produção já tenha sido suficientemente estudada, mas porque o mundo musical tem caminhado para se tornar cada vez mais gnattaliano. Frequentemente perseguido em vida tanto pelos nacionalistas quanto pela vanguarda, tanto pelos músicos populares quanto pelos eruditos, o compositor nascido em Porto Alegre e que viveu a maior parte de sua vida no Rio de Janeiro tem encontrado lugar garantido no repertório deste início de século XXI. Sua visão urbana e altamente irônica do Brasil, fluência de escrita e ênfase em pacíficas fusões entre linguagens musicais contrastantes antecipou – em mais de 50 anos – o ambiente estético pós-moderno dos dias atuais. A maior parte das publicações sobre o repertório violonístico do século XX tem destacado a importância de obras tais como as duas Toccata em Ritmo de Samba, a Danza Brasileira, os 10 Estudos (para violão solo), os quatro concertos para violão e orquestra, o concerto para dois violões e orquestra, além de suas peças para dois violões, violão e piano e violão e flauta. A obra interpretada aqui pelo Quaternaglia em primeira gravação mundial é uma versão para quarteto de violões preparada pelo próprio Radamés em 1980 a partir de seu Quarteto de Cordas n. 1 por sugestão do violonista e compositor brasileiro Sérgio Assad.

Sidney Molina