Quaternaglia (Remaster 2019)

Lançamento: 17/06/1995

                    

HEITOR VILLA-LOBOS (1887-1959)

BACHIANAS BRASLEIRAS Nº1 (1930)

(arrangement: Sérgio Abreu)

  1. Embolada (Introdução) | 6:43
  2. Modinha (Prelúdio) | 6:39
  3. Conversa (Fuga) | 4:17
  4. A LENDA DO CABOCLO (1920) | 3:28

(arrangement: Eduardo Fleury)

LEO BROUWER (1939)

  1. PAISAJE CUBANO COM RUMBA (1985) | 7:33
  2. TOCCATA (ed. 1988) | 2:13

IGOR STRAVINSKY (1882-1971)

8 PEÇAS (1915-1917)

(transcrição: Paulo Porto Alegre)

  1. March | 1:09
  2. Waltz | 1:35
  3. Polka | 0:52
  4. Andante | 1:21
  5. Espanõla | 0:59
  6. Balalaika | 0:44
  7. Napolitana | 1:14
  8. Galop | 2:04

ESTÉRCIO MARQUEZ CUNHA (1941)

  1. SUITERNAGLIA (1993) | 6:01

(first recording)

LEO BROUWER (1939)

  1. PAISAJE CUBANO COM LLUVIA (1984) | 7:42

total: 55:10


Quaternaglia Guitar Quartet

Breno Chaves / Eduardo Fleury / Fabio Ramazzina / Sidney Molina – guitars

 

Audio Engineer: José Luiz Costa (Gatto)

Musical Producer: Edelton Gloeden

 

Recorded at: Igreja Escandinava de São Paulo (Feb. 10-16, 1995)

Assistent: Nelson Pereira dos Santos

 

Guitars by: Sérgio Abreu (Chaves, 1989; Fleury, 1988; Ramazzina, 1991; Molina, 1992)

 

Cover Photo: Gal Oppido


Textos de Sidney Molina / Sérgio Abreu / Gilberto Mendes

 

          A obra de Leo Brouwer tem contribuído bastante para a ampliação e estabilização da formação quarteto de violões como uma proposta camerística interessante e cada vez mais presente no cenário musical internacional. As três peças inserem-se no contexto das atuais preocupações estéticas do compositor – a mais antiga delas data pouco mais de dez anos – mas guardam influências importantes das fases anteriores de seu percurso composicional, a saber, a do romantismo tardio com características nacionalistas latino-americanas (anos 50-60), e a das radicais experiências de vanguarda (anos 60-70).

          Dentre as principais influências presentes na obra para quarteto destacam-se a do minimalismo e o uso de escalas exóticas.

          A Paisaje Cubano con Rumba foi inicialmente escrita para o quinteto de flautas doce de Franz Brügen e posteriormente adaptada para quarteto de violões e também  para violão solo e fita magnética pelo autor. Juntamente com a Paisaje Cubano con Lluvia e com a Paisaje Cubano con Campanas (1986) para violão solo constitui a série das “Paisajes”. Brouwer deixa aberta a possibilidade dessas peças serem executadas por mais de quatro instrumentistas.

          O compositor brasileiro Estércio Marquez Cunha é Doutor em Artes pela University of  Oklahoma (USA) e professor  da Universidade Federal de Goiás. Além de Suiternaglia seu repertório para violão inclui duas peças para violão solo, música para violão e violino, três peças para soprano, flauta e violão, e música para dois violões.

          Sobre Suiternaglia escreve o compositor: “Suiternaglia foi feita  para quatro violões (especificamente para o Quaternaglia) em três movimentos ininterruptos e inseparáveis. Moldados basicamente sobre os mesmos elementos, cada movimento guarda sua própria ênfase: o primeiro melódico, o segundo tímbrico, e o terceiro rítmico.”

          A Lenda do Caboclo foi escrita por Heitor Villa-Lobos em 1920 para piano solo. É do mesmo ano que o Choros nº1 para violão solo e, na obra pianística, situa-se entre a Prole do Bebê nº1 (1918) e a nº2 (1921), um período que antecede sua atuação na Semana de Arte Moderna de 1922 em São Paulo e a primeira viagem a Paris (1923).  A transcrição para quarteto de violões é de Eduardo Fleury.

          A série das 9 Bachianas Brasileiras (1930-45) foi concebida por Villa-Lobos como um diálogo entre a universalidade da obra de J. S. Bach (1685-1750) e o mundo da música popular brasileira da primeira metade do século. A Bachianas Brasileiras nº1 indica na duplicidade dos títulos dos movimentos essa proposta: a Introdução associada ao ritmo das “emboladas “, o Prelúdio ao melodismo das “modinhas” e a Fuga a uma “conversa” entre quatro “Chorões” e, segundo o autor, “à maneira de Sátiro Bilhar”, músico popular que conviveu com Villa-Lobos nas  “rodas de Chorões” da cidade do Rio de Janeiro do início do século. Dedicada a Pablo Casals, é original para 8 violoncelos e foi estreada no Rio de Janeiro dirigida por Walter Burle Max.  Na gravação, o Quaternaglia se vale de uma transcrição do violonista e luthier brasileiro Sérgio Abreu.

          Igor Stravinsky escreveu as 3 Peças para Piano a Quatro Mãos em 1915 (March, dedicada a Alfredo Casella, Waltz, dedicada a Erik Satie, e Polka, dedicada a Serge Diaghilev) e as 5 Peças para Piano a Quatro Mãos em 1917 (Andante, EspañolaBalalaika, Napolitana e Galop), num hiato pianístico entre os 4 Estudos op7 (1908) e a Piano Rag-Music (1919). Quase imediatamente procedeu à orquestração das 8 peças, divididas agora em duas suites: a nº2 (1921), contendo March, Waltz, Polka e Galop e a nº1 (1925), com Andante, Napolitana, Española e Balalaika.

          As 8 Peças foram apresentadas pelo renomado Quarteto de Alaúdes Aguillar, que atuou com grande sucesso em tournèes pela Europa e Américas nos anos 20 e 30. As apresentações dos músicos espanhóis mereceram críticas elogiosas de Mário de Andrade quando de seus concertos em São Paulo em 1933. A primeira gravação para quarteto de violões foi feita em 1976 pelos músicos do quarteto argentino Martinez-Zárate. A presente versão foi concebida a partir do original para piano a quatro mãos pelo violonista brasileiro Paulo Porto Alegre, que também transcreveu e registrou algumas dessas  peças para trio de violões (Trio Opus 12, 1982).

Sidney Molina

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          Eu ja tinha ouvido o Quaternaglia tocar em Santos, no Teatro Municipal, e muito me entusiasmou seu concerto, com obras de Stravinsky, Villa-Lobos, Brouwer. Interpretação vibrante, plena da juventude dos quatro violonistas. Agora temos este CD que registra o talento, a seriedade, a consciência musical deste grupo de musicistas que sabe escolher seu repertório e tocá-lo com absoluto domínio técnico e intelectual. Acho que o melhor que podemos dizer deste lançamento, é que se trata de um disco para a gente sentar e ouvir, com aquele eterno prazer que nos dá a grande música bem tocada.

Gilberto Mendes

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          As origens do hábito de se agrupar os mais variados instrumentos musicais, com o objetivo de se explorar as possibilidades de suas combinações sonoras, confunde-se quase que com as da própria música, mesmo em suas formas mais primitivas. Não causa qualquer surpresa, portanto, a constatação de que, quando os instrumentos de cordas pulsadas atingiram a enorme popularidade que os consagrou na Europa, durante o período renascentista, grande número de composições foram realizadas, por exemplo, para duo e, em menor quantidade, trio de alaúdes. Quando, no século dezenove, o violão substituiu o alaúde na preferência do público, houve novamente grande produção de obras para serem tocadas em duo ou em trio.

          No entanto, as possibilidades do agrupamento, em quar­teto, tanto de alaúdes como de violões parecem ter sido totalmente evitadas. Não é difícil de se compreender quais podem ter sido os motivos, ao se fazer uma análise, ainda que superficial, da literatura camerística que foi produzida. Acima de tudo, observa-se que houve, quase sempre, a preocupação com que as partes de cada instrumentista tivessem, todas, o mesmo grau de importância, obviamente para que nenhum dos músicos se sentisse inferiorizado. O recurso mais utilizado era o de, simplesmente, se inverter as vozes, sempre que um tre­cho qualquer era repetido ou variado, o que funcionava perfeitamente em se tra­tando de duetos. No caso de trios tornavam-se, também, necessários outros re­cursos, às vezes em prejuízo da clareza do conjunto, quando se insistia em que as três vozes instrumentais atuassem exatamente dentro da mesma tessitura, quase que numa competição entre elas. Dentro desse espírito, pode-se imaginar que o acréscimo de um quarto violão tenderia a produzir, facilmente, o conges­tionamento sonoro de uma indigesta “violonada”.

          É interessante se observar que não se tentou adaptar algumas das técnicas utilizadas em composições para conjuntos de instrumentos de arco, nas quais essa preocupação não existia em tão alto grau, e nem poderia ser assim, principalmente por motivo das diferen­ças de tessitura (que, em grande parte, determina a atuação de cada instru­mento), tendo tido, sempre, em consequência, maior importância o resultado global que o brilho individual. Uma familiaridade maior, por parte dos violonis­tas do século passado, com as composições feitas para outros grupos instrumen­tais talvez tivesse inspirado a realização de obras bem estruturadas para quar­teto de violões, que, acredito, poderiam ter tido grande popularidade, tanto nas salas de concerto quanto nos saraus que, com frequência, reuniam músicos e diletantes.

          Passando-se das conjeturas sobre o passado à realidade dos dias de hoje, é fato notório que a extraordinária popularidade alcançada pelo violão, na segunda metade do século vinte, levou ao surgimento de uma variedade crescente de conjuntos violonísticos, desde os já consagrados duos até as exa­geradas orquestras japonesas compostas de dezenas (às vezes centenas) de violonistas. É evidente que, em se tratando, na maior parte, de formações no­vas, várias encontram-se ainda em fase de experimentação, sendo prema­turo se fazer um prognóstico quanto a possíveis desenvolvimentos. Ainda assim, pode-se, facilmente, prever que as orquestras violonísticas de dimensões sin­fônicas não passaram de exóticas curiosidades, de maior efeito visual que audi­tivo, da mesma maneira que já se pode considerar o duo violonístico como uma formação definitiva, tendo sido o já extenso repertório dos séculos dezesseis a dezenove acrescido de um número ainda maior de composições contemporâneas de alta qualidade.

          E eis que, entre as novidades mais interessantes e promis­soras dos últimos tempos, podemos, sem dúvida, incluir as experiências, que vem sendo realizadas por vários grupos, em diversos países, de desenvolvimento de um conceito de instrumentação adequado para quarteto de violões, e de um repertório apropriado para essa formação musical. Além de terem inspirado um grande número de composições originais, deram também origem a muitos arranjos, alguns dos quais de resultados surpreendentes, de obras anteriormente escritas para outros grupos musicais. Ao contrário do estilo de ins­trumentação predominante no século passado, atualmente vem sendo enfatizada a importância de se considerar o conjunto dos violões como um todo orgânico, fazendo-se amplo uso das inúmeras combinações tímbricas possíveis.

          Foi dentro desse espírito que me ocorreu fazer uma adaptação para esse meio das Ba­chianas Brasileiras nº1 de Villa-Lobos. Em abordagens desse tipo não se deve pensar, apenas, na simples ampliação do repertório, por meio de mais um arranjo, mas, sobretudo, se considerar que é necessário haver uma boa justificativa para esse procedimento. Nesse caso não afirmaria que, tocada por um quarteto de violões, essa obra soe melhor que na versão original, para orquestra de violon­celos. Possivelmente sim, em vários trechos do primeiro movimento, sobretudo o início, clara imitação de cavaquinhos que resulta mais natural na sonoridade dos violões. Certamente não na maior parte do segundo movimento, onde o canto do violoncelo reina supremo, motivo pelo qual cheguei a considerar que esse Prelúdio/Modinha devesse ser eliminado dessa versão violonística. A principal justificativa para esse arranjo, porém, parece-me ser a de que, mesmo sendo uma das mais belas e originais composições de Villa-Lobos, tem sido raris­simamente tocada ou gravada (não tenho notícia de nenhuma apresentação em público nos últimos vinte ou trinta anos) pelo simples motivo de que não existem (ou não existem mais) orquestras de violoncelos. Lembro-me de, no início da década de setenta, estar em Nova York no dia em que foi realizado um concerto, no Carnegie Hall, em homenagem a Pablo Casals, com a participação de cem(!) violoncelistas. Se bem me recordo, chegaram a tocar apenas o se­gundo movimento dessas Bachianas. Assim, sem ter pretendido melhorar, mas principalmente acreditando ser essa uma oportunidade de se tornar mais conhe­cida esta obra tão rara quanto bela, é um prazer vê-la incluída nesta auspiciosa estreia em CD do Quaternaglia.

Sérgio Abreu