Down the Black River

Lançamento: 2022

                                        

Down the Black River / Works by Sergio Molina

SERGIO MOLINA (1967)

  1. Down the Black River into the Dark Night [Descendo o Rio Negro na noite escura] for guitar quartet, piano and string orchestra (2008)* | 10:52

Quaternaglia Guitar Quartet / Rogério Zaghi (piano) / String Orchestra conducted by Emiliano Patarra

  1. Song of the Universal (after a poem by Walt Whitman) [Canção do Universal] Quintet n.2 for four guitars and piano (2017)* | 15:15

Quaternaglia Guitar Quartet / Rogério Zaghi (piano)

  1. The Journey of the Weary Souls [O Percurso das Almas Cansadas]

for four guitars and string orchestra (2004) – “Homage to Leo Brouwer” | 16:18

I-Greeting [Saudação] / II-Sagacity [Sagacidade] / III-Nostalgia [Saudade] / IV-Sacrifice [Sacrifício] / V-Sabedoria [Wisdom]

Quaternaglia Guitar Quartet / String Orchestra conducted by Emiliano Patarra

     Quintet for Another Time [Quinteto para um outro tempo]

for guitar quartet and piano (2006)*

  1. Past [Passado] | 8:20
  2. Prayer without words [Oração sem palavras] | 5:39
  3. The Mirror of the Enigmas [O Espelho dos Enigmas] | 5:48

total time: 62:12

* works dedicated to James Dick and Quaternaglia Guitar Quartet


Quaternaglia Guitar Quartet

(Chrystian Dozza / Fabio Ramazzina / Thiago Abdalla / Sidney Molina)

Rogério Zaghi (piano)

Emiliano Patarra (conductor)


Recorded at Santa Marcelina Studio (guitars and piano) on October 19 and November 8,9 and 30, 2021; and Trama NaCena Estúdio (orchestra) on January 29, 2022 (São Paulo, Brazil)

 

Producer: Sergio Molina

Engineers: Thiago Abdalla (guitars and piano) / André Magalhães (orchestra)

Assistant Engineer: Fernando Sobreira, Felipe Bulbarelli and Lucas Maggieri

(Santa Marcelina Studio), Ricardo Camera and Douglas Martins (Trama NaCena Estúdio)

 

Editing: Thiago Abdalla

Mixing Engineer: André Magalhães (tracks 1 and 3) / Thiago Abdalla (tracks 2, 4, 5 and 6)

Mastering Engineer: Felipe Tichauer (Red Traxx Mastering)

 

Orchestra

First Violins: Luiz Amato (concertmaster), César Miranda, Rodolfo Lota, Soraya Landim

Second Violins: Amanda Martins, Katia Spassova, Leandro Oliveira,

Andreas Ulheman

Violas: Emerson De Biaggi, Ederson Fernandes, Elisa Monteiro

Cellos: Adriana Holtz, Vana Bock

Double Bass: Cláudio Toreza

 

Executive Producer [PROAC]: Tenuca Comunicação e Eventos

 

Photos: Pamela Lahaud

Making of: Gabriela Ramazzina

Cover and booklet art: Lia Assumpção

Texts: Sidney and Sergio Molina

Translation: David G. Molina

 

Apoio: Faculdade Santa Marcelina

 

Realização: Secretaria de Cultura e Economia Criativa e Governo do Estado de São Paulo


Textos de Sidney Molina / Sergio Molina

Este livreto complementa o álbum musical Down the Black River (disponível nas plataformas de streaming), com composições de Sergio Molina interpretadas pelo Quaternaglia Guitar Quartet. As quatro obras aqui apresentadas são fruto da colaboração de compositor e intérpretes com o Festival Hill de Round Top (TX), nos Estados Unidos, ao longo de mais de uma década.

Para a temporada 2005, a série de concertos de Round Top havia programado a estreia estadunidense do concerto para quatro violões e orquestra de Leo Brouwer, tendo o Quaternaglia como solista. Poucos meses antes do evento, entretanto, por razões políticas, o compositor cubano não autorizou a apresentação da partitura nos Estados Unidos, e foi assim – quase por acaso – que Sergio Molina compôs O percurso das Almas Cansadas, a obra mais antiga aqui registrada, estreada em 12 de fevereiro de 2005.

Convidado para a estreia, Molina foi procurado pelo pianista James Dick – idealizador do Round Top Festival Institute –, que manifestou o desejo de estrear uma nova obra que combinasse os quatro violões com um grand piano. Dois anos depois, em 10 de fevereiro de 2007, estreava o Quinteto para um outro tempo. O diretor de programação, Alain Declert, pediu, sob aplausos, que os três movimentos da obra fossem repetidos para que o público pudesse se familiarizar melhor com suas sofisticadas soluções sonoras.

Uma nova composição foi então encomendada a Sergio Molina, agora para quatro violões, piano e orquestra: com inspiração Amazônica, Down the Black River into the Dark Night foi estreada em Round Top em 14 de fevereiro de 2009 (tendo como solistas James Dick e Quaternaglia).

Passaram-se nove anos até a estreia da obra mais recente deste álbum, Song of the Universal, criada a partir da inspiração de um fragmento poético de Walt Whitman, ocorrida em 3 de março de 2018.

Para a primeira gravação mundial das “Round Top Compositions” de Sergio Molina, realizada no Brasil, Molina e Quaternaglia contaram com as honrosas presenças do pianista Rogério Zaghi e de orquestra sob a direção de Emiliano Patarra.


Quando o Quaternaglia chegou pela primeira vez ao Round Top Festival Hill, em 18 de janeiro de 2002, uma sexta-feira, já era tarde da noite. Havíamos acabado de tocar na temporada da Guitar Society de Houston, e viajamos de carro pelo interior do Texas.

Estava escuro, e a sensação física ao pisar no solo – areia e pedras, numa noite fria – destoou imediatamente dos ambientes fechados e previsíveis dos aeroportos, hotéis e teatros comuns na turnê.

À nossa espera estava o pianista James Dick, idealizador deste projeto que – viemos depois saber – abriga um dos mais tradicionais festivais de verão dos Estados Unidos, evento de seis semanas que recebe músicos e professores para treinamento em orquestra e música de câmara.

Premiado em concursos internacionais de piano como Tchaikovsky, Busoni e Leventritt, concertista atuante e jurado convidado de competições como Van Cliburn, ele transformou em referência musical o campus adquirido em uma cidade que, segundo o censo norte-americano de 2000, mostrava a inusitada cifra de 77 habitantes (não mudou muito desde então).

Apesar de estarmos cansados da viagem, nossos anfitriões insistiram que seria importante conhecer o teatro onde nos apresentaríamos no dia seguinte. “Teatro…aqui?” – cogitávamos receosos…

Ninguém jamais esquece a experiência de entrar pela primeira vez no Concert Hall de Round Top! Contando com 1.000 lugares e palco gigantesco, ele é uma estrutura onde a madeira reina e a riqueza de detalhes e símbolos evoca as catedrais góticas europeias. Um valor maior orienta as escolhas de materiais, estruturas e dimensões: o som, a acústica primorosa.

Violões não são instrumentos reconhecidos por seu volume sonoro, mas na grande sala de Round Top é possível ao Quaternaglia realizar um concerto totalmente acústico, em que um tema em harmônicos pode ser ouvido em qualquer lugar da plateia.

No dia seguinte, mais uma surpresa: o recital teve casa cheia! “De onde teriam vindo tantos carros, tanta gente, para escutar um repertório de música clássica (incluindo brasileira) para quatro violões?”, não cansávamos de nos perguntar.

Num dos mastros, a bandeira do Brasil nos dava boas-vindas. Fomos – soubemos então – os primeiros brasileiros a tocar na sala, e aquela foi também a primeira apresentação de violão em Round Top.

Logo após o concerto, animados, organizadores e intérpretes começaram a discutir detalhes para um novo recital já no ano seguinte (o qual efetivamente ocorreu), mas foi apenas em 2005, quando de nosso terceiro retorno à pequena cidade, que a colaboração com Round Top passou a incorporar encomendas de novas obras a Sergio Molina.

De fato, a partir desse momento, cada novo concerto do Quaternaglia em Round Top está associado à estreia de uma nova composição de Molina, todas registradas neste álbum: O percurso das Almas Cansadas (2005), Quinteto para um outro tempo (2007), Down the Black River into the Dark Night (2009) e Song of the Universal (2018).

Apesar da distância, esta gravação procura ser fiel ao espírito do lugar e das pessoas que motivaram composições e estreias: estão aqui um pouco da terra, das flores, dos ornamentos, da gentileza, do refinamento e – por que não? – da acústica de Round Top.

Quaternaglia

Dedicado à memória de Richard Royal


Down the Black River into the Dark Night (2008)

Durante sua turnê pelo Brasil realizada em 2008, James Dick consultou Sergio Molina acerca de uma possível encomenda a ser estreada – por ele ao piano juntamente com o Quaternaglia – nos Estados Unidos em 2009. O cenário da conversa foi o saguão do Hotel Regente, em Belém do Pará, e a ideia embrionária já buscava inspiração em aspectos da região amazônica.

Molina imediatamente imaginou uma possível analogia entre certas estruturas sonoras e uma longa viagem noturna pelas águas silenciosas do rio Negro (Black River), um dos mais importantes afluentes do Amazonas. Daí nasceu Down the Black River into the Dark Night, para quarteto de violões, piano e orquestra de cordas.

A travessia começa tranquila, cheia de expectativas, mas também alerta a possíveis acontecimentos inesperados. O silêncio da noite amplifica os sons da natureza. As cordas estabelecem um fluxo sonoro contínuo, paralelo às águas negras do rio, onde as notas longas propõem uma sensação de não pulso, de não tempo.

Vez por outra ouvimos reverberações da música feita pelos habitantes dos vilarejos, nas margens do rio, e a própria sonoridade da paisagem amazônica. A falta de visibilidade – imposta pela escuridão das águas e da noite – abre caminho para a emergência de memórias: surgem fragmentos de Jobim, Ligeti, Steve Reich e Schumann.

Ao final, uma tempestade equatorial cai sobre nossos viajantes justamente no encontro entre as águas escuras do Negro e as águas límpidas do gigante Amazonas. Dilui-se o rio Negro, mas ainda ouviremos algumas das gotas iniciais que, mesmo incorporadas ao Amazonas, preservam parte da sua identidade original para prosseguir, do outro lado do círculo das quintas, em sua jornada rumo ao mar.

Concebida a posteriori, quando a peça já estava concluída, a narrativa acima pode ser tomada como uma das possíveis referências para a escuta; mas, se preferir, o ouvinte pode também partir tão só das sonoridades que a experiência propõe e imaginar a sua própria narrativa.

 

Song of the Universal – after a poem by Walt Whitma (2017)

        Em fevereiro de 2017, o pianista James Dick enviou a Sergio Molina um fragmento poético de Walt Whitman, cujos versos iniciais são:

Come, said the Muse,

Sing me a song no poet yet has chanted,

Sing me the Universal.

A partir de um ponto de partida exclusivamente musical, a saber, combinações entre dois intervalos (si/dó/sol, um semitom e uma quinta justa), e o enfrentamento de duas células rítmicas assimétricas da música popular da América do Sul (o ritmo de tamborim do samba carioca e a assimetria dos acentos da milonga argentina), Molina decidiu então – como etapa do processo composicional – musicar o próprio poema de Whitman.

A canção resultante foi então tomada com ponto de chegada na construção da narrativa, em uma espécie de “composição às avessas”. A melodia completa (uma canção completa em que as palavras seriam, depois, cuidadosamente retiradas) aparecerá – a cargo do piano – somente após mais de dez minutos, na seção final da obra.

Os desenhos melódicos e as construções harmônicas da canção geradora são entrecortados, desenvolvidos e variados desde o princípio da peça, como memórias fragmentadas que pouco a pouco se reconstroem.

Nas palavras de Dick, trata-se de “a true song of the universal […] The piece has an ability to hold itself […] It’s all meaningful, from the very beginning. It ends with a peacefulness, but a peacefulness that is looking forward. It ends, but it is still looking forward”.

        Assim como no poema de Whitman, a canção é tomada ao mesmo tempo como semente geradora, princípio inconsciente e essência a ser perseguida. Dedicado ao Quaternaglia Guitar Quartet e James Dick, Song of the Universal é o segundo quinteto para quatro violões e piano de Sergio Molina.

 

The Journey of the Weary Souls (2004) [O Percurso das Almas Cansadas]

Escrita como um concertino em movimento único para quatro violões e orquestra de cordas (com cinco seções internas tocadas sem interrupção), trata-se da primeira composição para violões e formação orquestral composta por Sergio Molina.

Ecos do homenageado (o compositor cubano Leo Brouwer) – como a utilização idiomática dos violões (acordes construídos tendo em vista uma ressonância ampla, de caráter “harpístico”, amplificada pela potencialização sonora dos quatro violões) – somam-se a cruzamentos com Bartók (tonalidades superpostas na escrita das cordas, imitações canônicas e experimentalismos timbrísticos), além de referências ritmo-melódicas à tradição da música popular urbana do Brasil (como um característico baião em cinco tempos).

“Saudação” é uma introdução orquestral elaborada, que deságua na majestosa entrada dos violões; em “Sagacidade” o quarteto introduz o seu próprio material musical – um gesto abrupto e irônico, seguido por pausa eloquente; “Saudade” emula o acorde de si menor (reforçado pela corda grave do violão de 7 cordas) do célebre “Adagio” do Concierto de Aranjuez, de Joaquín Rodrigo, mas com uma harmonia expandida para a escala de tons inteiros, em um pensamento que envolve também a tradição expressiva das melodias da canção brasileira.

Em “Sacríficio” a interação entre solistas e orquestra atinge tensão máxima, a qual culmina numa virtuosística cadência a cargo dos violões. A cadência é composta como um quebra-cabeça em que as peças vão pouco a pouco se encaixando: surgem os temas de todas as seções anteriores, bem como uma antecipação de “Sabedoria”, a quinta seção, que parte de um intermezzo orquestral para culminar em violenta coda, extremamente rítmica e virtuosística.

 

Quintet for Another Time (2006) [Quinteto para um outro tempo]

Por ocasião da estreia mundial de O percurso das almas cansadas, em 2005, Sergio Molina foi recebido gentilmente para um jantar por Alain Declert, Diretor de Programação do Round Top Festival Institute, nos Estados Unidos.

Na sala da casa, em destaque, havia uma cópia do programa original da estreia do Quatuor pour la fin du temps (1941), de Olivier Messiaen, obra escrita e apresentada pela primeira vez durante a II Guerra Mundial, no campo de prisioneiros de Stalag VIII-A, ao sul da cidade de Görlitz, onde o compositor e os intérpretes estavam presos por terem participado da resistência ao nazismo na França.

Mais do que suas técnicas ou sonoridades, a lembrança da história dessa obra – intensamente bela, não obstante escrita sob condições tão adversas – foi o ponto de partida para Molina compor, em três movimentos, o Quinteto para um outro tempo, sua primeira obra para quatro violões e piano

O primeiro movimento, “Passado”, é um tributo à tradição musical dos séculos 18 e 19, mas nela o tema principal é conduzido a uma morte inevitável – anunciada por um longo e doloroso cortejo fúnebre: é o fim que, simultaneamente, abre espaço para a emergência de um outro tempo.

“Oração Sem Palavras”, o segundo movimento, ocorre no presente, e tenta também operar em outros níveis: aposta em uma pausa necessária à contemplação, à espera do momento oportuno de retomar a travessia.

O terceiro movimento, “O Espelho dos Enigmas” – no estilo de uma toccata inconformada e visionária – arrisca ir adiante ao propor a convivência entre diferentes métricas, escalas, modos, sistemas sonoros, assimetrias, jogos, ciclos, fragmentos e duelos, em uma busca incansável por um tempo mais amplo e diverso.

A estreia da obra em 2007 nos Estados Unidos teve ampla cobertura do American Record Guide: com partitura em mãos, o crítico e editor Gil French acompanhou, ao longo de três dias, ensaios e o recital, o que gerou uma detalhada resenha no periódico.